Carol Simone, após o parto, ficou na UTI Neonatal, mas não resistiu e morreu (Foto: Cedida) |
O Ministério Público Estadual (MPE) investiga a morte de pelo
menos um feto e um recém-nascido na cidade de Caicó, distante 256 quilômetros
de Natal. As mortes ocorreram entre os dias 26 e 28 de outubro deste ano,
quando duas mulheres deram entrada no Hospital do Seridó sentindo contrações e
não foram atendidas em tempo hábil, segundo relatos de familiares.
O médico ginecologista Valdemar Araújo
Medeiros, de 71 anos, que é vereador da cidade, cumpria uma escala de plantão
de 72 horas ininterruptas e era responsável pelos procedimentos. O promotor de
justiça em substituição legal na Comarca de Caicó, Diogo Maia Cantídio, colheu
depoimentos de familiares e representantes de órgãos ligados à Saúde em Caicó.
Ele formulou denúncia contra o médico e a apresentou ao Conselho Regional de
Medicina do RN. O CRM/RN confirmou que abriu sindicância para investigar o caso.
Valdemar Araújo Medeiros é vereador em Caicó (Foto: DivulgaCand/TSE) |
Valdemar foi procurado pelo G1 para
comentar o caso. "No momento, não tenho declaração a dar. Só isso,
ouviu?", limitou-se a dizer. O médico é vereador em Caicó. Ele concorreu à
reeleição este ano, mas não ganhou.
O vice-presidente do CRM/RN, Francisco Braga, afirmou que a
ampla divulgação na mídia dos casos relacionados ao médico Valdemar Araújo
Medeiros, e o fato do delegado do Conselho em Caicó ter sido procurado pelo MP,
são fatos suficientes para instauração da sindicância. "O caso será
apurado em Caicó e Currais Novos. Tudo que for identificado será colocado em um
relatório para apreciação dos membros do Conselho de Ética do CRM. A punição
máxima que o médico por ter é a perda do diploma. Isso, porém, após a abertura
e julgamento do processo", acrescentou.
De acordo com o promotor Diogo Maia
Cantídio, em dois anos foram apresentadas três denúncias contra o médico
Valdemar Araújo Medeiros. Os relatos vão desde a falta de interesse do médico
em realizar procedimentos como curetagem até o parto de duas mulheres que
recorreram ao Hospital do Seridó, cujos filhos acabaram morrendo. Um deles,
ainda no ventre da mãe. "Todos os casos ocorreram entre os dias 26 e 28
outubro, da sexta ao domingo passados. O mais impressionante é que o mesmo
obstetra estava de plantão nos três dias", ressaltou o promotor.
O caso de Carla Simone dos Santos ganhou
notoriedade na imprensa potiguar no início desta semana. Ela deu entrada na
unidade hospitalar na madrugada do dia 27 de outubro. "Nós chegamos lá por
volta das 3h da manhã. Ela estava sentindo muitas dores e a parteira fez um
toque e disse que só tinha um centímetro de dilatação. Depois fez mais dois
toques e nada de aumentar a dilatação. Quando foi umas 13h, minha irmã começou
a passar mal. Às 14h ela teve uma convulsão, ficou com as mãos e os pés roxos e
os pacientes começaram a gritar pelo médico", relembrou Carlita Barbosa,
irmã de Carla Simone. Antes disso, porém, ela comentou que recorreu à parteira
e ao médico diversas vezes, mas não obteve sucesso.
Carla Simone dos Santos sofreu uma convulsão e desmaiou, antes de dar à luz (Foto: Cedida) |
"Depois que nós chamamos o pai da criança
e imploramos atendimento, dizendo que elas duas poderiam morrer, ele nos tratou
com indiferença e chamou um policial para tirar a gente do hospital",
detalhou Carlita Barbosa. O médico conduziu a paciente para a sala de parto e,
três horas depois, nasceu via parto natural, Carol Simone. A recém-nascida,
porém, estava com o cordão umbilical envolto no pescoço e apresentava sinais de
formação de coágulos no crânio e parada cardiorrespiratória. Mãe e filha foram
encaminhadas para a cidade vizinha, Currais Novos, cujo hospital dispõe de
Unidade de Terapia Intensiva Adulto e Infantil. A criança, porém, morreu.
"Minha irmã está inconsolável e muito machucada. Ela está com uma infecção na vagina e com muitas dores. Ela sofreu muito, muito mesmo", relatou
Carlita Barbosa.
Os outros dois casos detalhados ao Ministério Público são de uma
mãe que perdeu o filho ainda no ventre, também por falta de atendimento. Ela se
dirigiu ao Hospital do Seridó na sexta e sábado passados, alegando dores, mas
sem dilatação necessária para o parto normal. O médico, segundo o promotor,
agiu com "desdém". No domingo, dia 28, a mulher voltou ao hospital
com escorrimento. "Ela estava expelindo mecónio", relatou Diogo Maia
Cantídio. O mecónio são as fezes escuras do recém-nascido ou ainda de um feto
em desenvolvimento que, quando ingeridas, podem causar a morte. "Pode ter
sido esta uma das causas do feto", comentou o promotor. O parto da mulher
que teve a identidade preservada, foi realizado através de cirurgia para a
retirada do feto morto. Valdemar Araújo teria se negado, ainda, a realizar uma
curetagem numa mulher que havia perdido os filhos gêmeos. Ela passou mais de
uma semana com os fetos mortos em seu ventre.
O delegado do CRM em Caicó, o médico Gerson
Barbosa do Nascimento, afirmou que aguardará o recebimento da denúncia do MPE
para instaurar uma sindicância para apurar o suposto desvio de ética médica do
obstetra Valdemar Araújo Medeiros. "Só posso atuar depois que receber a
denúncia. Desconheço, pessoalmente, se ele responde ou não por outros processos
junto ao CRM", afirmou Gerson Barbosa do Nascimento. A assessoria de
imprensa do CRM/RN esclareceu, ainda, que o médico não foi afastado pela
delegacia, mas sim pelo próprio hospital como forma de manter sua integridade
física do profissional. A decisão de afastar só pode ser tomada pelo Conselho
através de plenária. O conselho não pode informar se o médico responde a algum
processo porque todos são sigilosos.
O médico está cadastrado no CRM/ RN desde 1993.
O médico está cadastrado no CRM/ RN desde 1993.